Minutos hesitavam, decidiam e retornavam em minha mente antes que eu tomasse a mais destrutiva das resoluções. Ignorando todo o amor que estivera guardado por mim, desdenhando conscientemente do passado em que eu me formara, mortificando definitivamente meu instinto de sobrevivência, assassinando todas as coisas que me faziam gostar de viver em meu próprio corpo, eu, num impulso, lancei-me para dentro daquela mortalha, morta, então, o suficiente para habitá-la. Esperava revivê-lo, e para isso trocaria minha vida pela dele; talvez alguma obscura pretensão heróica palpitasse que eu seria agraciada por isso—como um alvo anjo de perdão a salvar um homem das trevas mundanas. Talvez a mais dócil e suicida face romântica em mim julgasse aquele fim muito conveniente a uma futura novela biográfica—como uma pobre rainha enganada. O fato é que a cova estava funda e adentrada. Eu rastejei, entregando-me totalmente à minha forma de zumbi, silenciando minha respiração e cerrando meus olhos, na esperança de que logo ele me tocasse. E por muito esperei por nada. E pedi. Pedi, implorei, deplorável e calidamente apelativa. Até que ele tocou meus lábios, seus dedos de ossos desenhando o contorno de minha boca ainda viçosa. Mal pude perceber os vermes que já começavam a mastigar sua carne, e se os senti, foi apenas para afastá-los, exterminá-los das redondezas de meu amado...Mas se lá eles persistiam, eu deixava que me tocassem também, que amassem o mesmo corpo que eu queria que me amasse. Porque, de um jeito ou outro, ele seria meu novamente. Eu seria dele novamente.
Meus olhos concentravam-se em fecharem-se, mesmo quando eu ouvia seu riso ressoando por meus ouvidos, eriçando minha pele de prazer, um prazer que vinha em rajadas circulares por meu peito, impossibilitando que o ar entrasse em meus pulmões. Mas não importava. Eu não precisava de ar. Eu estava morta.
Então uma centelha inevitável fez-me abrir os olhos para um novo dia, e a manhã chegou nos queimando em nossa cova. Eu estava por demais dedicada a habituar-me à insensibilidade para não estranhar que aqueles raios me aquecessem, e vi tornar-me mortal contra minha vontade. Então perscrutei o ambiente estranho em que estava, já incomodada pelo súbito fedor pútrido que soprava. Tamanho foi o meu horror, quando fitei aquele que me acompanhava! Era um cadáver, um defunto fétido e horroroso de feições descarnadas, de estrutura monstruosa, cujo corpo, ou que restara dele, era agora palácio de milhares de vermes esfomeados, pequeninos e rechonchudos, rápidos e desajeitados em seus escassos movimentos desmembrados. Era sujo, inteira e irrefutavelmente sujo, e que asco causava! Meus sentidos humanos voltaram, ansiosos, muito bem-vindos, prontos para saírem dali. E eu escalei aquela parede de terra em passos firmes, absorta em uma fuga veloz.
É como ler Poe entorpecido ao som de Tristania. Bem legal, parabéns!
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