Há quem diga que o futuro não existe. A cada segundo de
presente, produzimos simultaneamente passado e futuro, desprezando a golfada de
ar que já respiramos, expirando-a como havia de ser mais à frente, e deixando-a
para trás novamente, até irmos em busca de outra e outra, numa repetição
entediante que é, afinal, a própria vida. Ao pensar no conteúdo de meus
pulmões, subitamente eu quase o perco; o tempo não existe até que eu o encare.
E ter de lidar com suas investidas, seu olhar invisível que não pode, num
relance, ser ignorado, faz com que meu peito pareça sufocado e meu pulso
acelere sem motivos palpáveis. Prestes a fechar o primeiro ano de minha segunda
década de vida, eu olho demais para algo que costuma ser vislumbrado, com
alguma resignação mórbida, por aqueles que já contam mais do dobro de minha
idade. E percebo que sempre estive enleada aos amores desta força imaterial,
contemplando demais os movimentos do relógio e jamais aproveitando-os por
completo; que deixei que muito de meu alento fosse perdido numa daquelas pausas
silentes e profundamente perturbadoras nas quais eu olhei para a frente e o vi,
movendo-se sem fim; que, encarando-o, não reparei quando perdi ele de vista; e
que agora, por mais que eu ainda o veja, há muito dele que perdi.
Acostumada a gastar horas observando sua magnitude, eu,
pela primeira vez, foquei-me em um de seus membros mais difusos. A massa amorfa
do futuro caiu em minhas mãos e eu a moldei, numa simplicidade surpreendente,
em cenas e fatos e planos tão realistas que, por um momento, pareciam pertencer
ao presente. Presa num misto de fascinação e temor, eu mexo em seus detalhes
como uma criança a explorar a nova casa de bonecas. Mas meus dedos se sujam de
pó, e é muito fácil fazer uma cena desmoronar, e toda a minha fundação
imaginária se esvai, dissolvendo-se novamente na massa etérea que era e é.
Sabendo-o frágil, o instável futuro que se ergue e despenca, eu o reconstruo,
permanecendo imóvel, com a mais dolorosa consciência de que um movimento meu
alterará tudo. E assim vejo-me condenada à mera contemplação do que não vai
ocorrer, subjugada pelo poder do imprevisível, paralisada e com medo e frio. A
massa amorfa com que pensei tecer projeções não passa de ilusão. O futuro é um
breu absoluto onde meus olhos não podem enxergar.
E
o tempo não existe até que eu o encare.