quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Tempo


             Há quem diga que o futuro não existe. A cada segundo de presente, produzimos simultaneamente passado e futuro, desprezando a golfada de ar que já respiramos, expirando-a como havia de ser mais à frente, e deixando-a para trás novamente, até irmos em busca de outra e outra, numa repetição entediante que é, afinal, a própria vida. Ao pensar no conteúdo de meus pulmões, subitamente eu quase o perco; o tempo não existe até que eu o encare. E ter de lidar com suas investidas, seu olhar invisível que não pode, num relance, ser ignorado, faz com que meu peito pareça sufocado e meu pulso acelere sem motivos palpáveis. Prestes a fechar o primeiro ano de minha segunda década de vida, eu olho demais para algo que costuma ser vislumbrado, com alguma resignação mórbida, por aqueles que já contam mais do dobro de minha idade. E percebo que sempre estive enleada aos amores desta força imaterial, contemplando demais os movimentos do relógio e jamais aproveitando-os por completo; que deixei que muito de meu alento fosse perdido numa daquelas pausas silentes e profundamente perturbadoras nas quais eu olhei para a frente e o vi, movendo-se sem fim; que, encarando-o, não reparei quando perdi ele de vista; e que agora, por mais que eu ainda o veja, há muito dele que perdi.
            Acostumada a gastar horas observando sua magnitude, eu, pela primeira vez, foquei-me em um de seus membros mais difusos. A massa amorfa do futuro caiu em minhas mãos e eu a moldei, numa simplicidade surpreendente, em cenas e fatos e planos tão realistas que, por um momento, pareciam pertencer ao presente. Presa num misto de fascinação e temor, eu mexo em seus detalhes como uma criança a explorar a nova casa de bonecas. Mas meus dedos se sujam de pó, e é muito fácil fazer uma cena desmoronar, e toda a minha fundação imaginária se esvai, dissolvendo-se novamente na massa etérea que era e é. Sabendo-o frágil, o instável futuro que se ergue e despenca, eu o reconstruo, permanecendo imóvel, com a mais dolorosa consciência de que um movimento meu alterará tudo. E assim vejo-me condenada à mera contemplação do que não vai ocorrer, subjugada pelo poder do imprevisível, paralisada e com medo e frio. A massa amorfa com que pensei tecer projeções não passa de ilusão. O futuro é um breu absoluto onde meus olhos não podem enxergar.
E o tempo não existe até que eu o encare.