Repito isso para mim mesma, escrevendo-o num papel. Leio,
e uma voz imaginária, de segurança e convicção assombrosas, profere cada uma
das palavras com sua clareza de telemarketing. Ela é apenas um fantasma agora. Daqueles
quietos e resignados, que não tiveram interesse sequer de permanecer sob o
mesmo teto que eu, muito calada e superior em suas aparições esporádicas,
quando eu declamo minhas reclamações tardias e não recebo qualquer reação. Ela
é apenas um fantasma agora, uma névoa tênue e esmirrada, tão pequena quanto era
em vida, mas profundamente mais distante. Deveria aproveitar essas visitas
inconvenientes e exorcizá-la de vez; e no entanto ela não ficaria por tempo
suficiente nem sequer para isso, não suportaria minha materialidade fria de
humana pulsante. Atravessou as barreiras etéreas sem qualquer motivo, não um
que não estivesse selado num recanto muito obscuro de sua própria psique
infantil. E eu nunca compreendi esse segredo, ou talvez, quando uma vez o ouvi
sussurrado no meu ouvido, tenha preferido relega-lo ao esquecimento, do jeito
que deveria ter feito com ela. Já vi tantos fantasmas, tantas partidas; mas há
algo de fascinante e pungente na ida dela, algo que eu jamais saberei por
completo ou considerarei deste mundo. E aí também há problema: exatamente por
isso fomos separadas em esferas diferentes. Por mais que em algum momento eu
tenha chegado a acreditar, na minha maternidade ilusória, que estivéssemos lado
a lado.
Ela não passa de uma alma errante, de um espectro borrado
do que um dia eu pensei ser meu. Tinha a impressão de enxergar a mim mesma em
seus repentes pueris, sua fragilidade nervosa, sua surpresa e fé e um não sei o
que de contos de fadas, daqueles que acabam com uma princesa sozinha. Gritei
insultos aos ventos, esperando que seus dragões em pele de cordeiro se
revelassem; e consegui livrá-la de um ou outro, até que ela arranjasse algo
para completar a estória. Mas ela escreveu o resto sem mim. E continuo a vendo
em tantos lugares, mas tenho certeza que ela não me vê em nenhum.
Talvez eu sinta falta de tudo ao redor dela, mas de seu
vulto translúcido, essa coisa que me assombra em sumiço, não tenho mais tanta
certeza. Pois às vezes creio que ela, em sua magia fúnebre, tenha roubado um pedaço
de mim apenas para que eu vivesse sem ele. Seu rosto rachado de boneca de louça
não guarda nenhum segredo puro para mim; ela tem sangue em suas mãos, por mais
que pense que só as pessoas de carne e osso possam fazê-lo. E talvez tenha mais
que nas minhas, com toda minha nefasta manipulação volúvel.
Faço-lhe uma prece, uma lamúria silente na noite. Pois
àquela que nunca compreendeu o amor, o mais verdadeiro parecerá uma infâmia. E ela
é apenas um fantasma agora.