sábado, 5 de novembro de 2011

O Pranto do Pássaro Negro ou Outro Conto na Gaiola


             Pequeno pássaro negro, eu o vejo tão frágil. Logo tu, pássaro terno, que ostentas as mais belas penas e as mais belas asas, tão inerte e diminuto em tua elevação prateada. Ontem mesmo eu o ouvi piar, e piava tão alto, tão forte, que parecia lamentar o tipo de tristeza mais profunda, das profundezas da intensidade que só se sente num certo tipo de alma, que a ti é familiar. Sim, pássaro negro, pois eu sei que tu tens o tipo de alma que não se vê ou entende, o tipo de alma que apenas se sente, que vive sentindo e sem sentir não vive. Está tão alto que quase não posso te ver, e, no entanto, teus pios são sempre audíveis, no teu pranto sujo de lágrimas negras. As penas delicadas que cobrem tuas asas, como as enxerguei um dia, já esmorecem e caem pelo vento, uma lágrima reluzindo em cada uma.
Será possível, pássaro negro, que ergueram ainda mais a tua gaiola? Não é triste observar o céu, sentir-se tão perto da lua e jamais poder busca-la? Eu o vejo ensaiar um ou dois voos, e, no entanto, não há porta, não há chave...Apenas arranhas as asas nas grades, e daí elas vêm visitar-nos aqui no chão, com aquelas lágrimas que já citei. Teu pecado foi tua paixão, pássaro negro. Teu pecado foram os anos adormecidos num sustentáculo tão férreo, tão sólido, tão intransponível às tuas asas de azeviche. Tu foste presenteado com penas tão lindas, com lendas tão lindas, pois delas tu necessitaria; em tua gaiola tu deve criar-te a teu mundo, lustrar teu corpo alado, inventar, tu mesmo, teus próprios céus e aventuras, simular a liberdade jocosa que te observa todos os dias a balançar com o vento sem nunca desbravá-lo. E assim tu gritas, e choras, e desenhas, e escreves, porque, além disso, não passará jamais. Gritas, choras, desenhas, escreves e cantas, mas sempre escondido, pois teme que tua voz delicada seja tão frágil quanto as porcelanas quebradas no chão, tantos pedaços de louça escorridos dolorosamente pelo chão, arranhando mais cada vez que são pisados.
Mas te digo, pássaro negro, como bom amigo e admirador, pois já ouvi teu pranto dia e noite, teu mais triste lamentar: se sais da gaiola, voa para longe, muito longe. Pois sei bem que a tua liberdade é ostentada demais para ser mantida distante. Não deixas teus carcereiros te avistarem, pois tuas penas são preciosas demais para estarem soltas. Não deixas os ventos te trazerem de encontro à gaiola novamente. Se te conheço bem, porém, sei que tu não partirás. Tu não partirás porque, na gaiola, estão teus mundos, teus céus, teus ares bravios percorridos sem fim. Não deixas que eles os tranquem na gaiola, pássaro negro.
Não choras, pássaro negro. Lembra que teu pecado é tua paixão, e deixas de sentir.