sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Tridimensional


                Papel. Débil e imóvel papel. Todos são apenas papel. Dissolvendo-se no ar, queimando e rompendo-se conforme o conteúdo lhes toca, pisa, amassa. Não há nada além de papel. Nada além dos traços planos que desenham rostos bidimensionais, corpos bidimensionais, seres bidimensionais. Nada além da folha esticada sobre a parede, nada além da proporção perfeita e dos floreios artísticos, nada além de rascunhos e ilustrações ilusórias, expressões simuladas, faces de mentira. Não há nada tão leve quanto o papel, e nisto há algo pesado: basta um risco profundo para que ele se rasgue, e aqui só há retalhos. Para mim só há retalhos.
                Toco a superfície com meus dedos tridimensionais, admirando sua beleza. Aqui, do lado de fora, minha forma pesada e meus ossos trêmulos são apenas solitários, estranhos, exclusos. Gostaria de ser um desenho, e de, como todos os outros, sorrir um sorriso simétrico e plano. Gostaria de tornar-me estática, incapaz de evoluir, simplória e rasa como o rascunho de um iniciante. Gostaria de ser tudo o que não sou e não posso ser, presa do lado de fora, envolta por esta carne dolorida e inchada, móvel e verdadeira.
                Só há a superfície a preencher, e que felicidade! Se estivesse oca não poderia viver, e ainda assim não posso, cheia de coisas pulsantes, vivas e mortas, cheia de dores latentes e dormências instáveis, tridimensionalidade e trevas, abismos profundos e segredos que nem eu mesma sei. Presa ao conteúdo, sonho com as mil possibilidades de uma folha em branco; mas meus dedos se cortam ao mais vacilante movimento, e meu corpo é pesado demais e apenas desmancha, rompe, dissolve-a, deixando-me só com os retalhos e o lado de fora.