Papel.
Débil e imóvel papel. Todos são apenas papel. Dissolvendo-se no ar, queimando e
rompendo-se conforme o conteúdo lhes toca, pisa, amassa. Não há nada além de
papel. Nada além dos traços planos que desenham rostos bidimensionais, corpos
bidimensionais, seres bidimensionais. Nada além da folha esticada sobre a
parede, nada além da proporção perfeita e dos floreios artísticos, nada além de
rascunhos e ilustrações ilusórias, expressões simuladas, faces de mentira. Não
há nada tão leve quanto o papel, e nisto há algo pesado: basta um risco profundo
para que ele se rasgue, e aqui só há retalhos. Para mim só há retalhos.
Toco
a superfície com meus dedos tridimensionais, admirando sua beleza. Aqui, do
lado de fora, minha forma pesada e meus ossos trêmulos são apenas solitários,
estranhos, exclusos. Gostaria de ser um desenho, e de, como todos os outros,
sorrir um sorriso simétrico e plano. Gostaria de tornar-me estática, incapaz de
evoluir, simplória e rasa como o rascunho de um iniciante. Gostaria de ser tudo
o que não sou e não posso ser, presa do lado de fora, envolta por esta carne
dolorida e inchada, móvel e verdadeira.
Só
há a superfície a preencher, e que felicidade! Se estivesse oca não poderia viver,
e ainda assim não posso, cheia de coisas pulsantes, vivas e mortas, cheia de
dores latentes e dormências instáveis, tridimensionalidade e trevas, abismos
profundos e segredos que nem eu mesma sei. Presa ao conteúdo, sonho com as mil
possibilidades de uma folha em branco; mas meus dedos se cortam ao mais
vacilante movimento, e meu corpo é pesado demais e apenas desmancha, rompe,
dissolve-a, deixando-me só com os retalhos e o lado de fora.