domingo, 1 de janeiro de 2012

Primeira Tolice de 2012 - As Imperatrizes

Você poderia dizer que eu detesto todas elas. Que basta que estejam próximas para que eu, na minha loucura, as transforme para sempre em objetos de ódio; mas isso não é verdade. Se prestasse atenção, perceberia que elas têm coisas em comum. São muito parecidas sob os aspectos corretos. Usam dos mesmos artifícios tecnológicos para se autopromoverem em sua pequena esfera social amplificada nos meios virtuais, são como androides perfeitos, belas replicantes devidamente coloridas e digitalizadas, intocáveis em suas fotos retocadas. Elas estão em perfeita sintonia com a realidade irreal dos computadores, esteticamente adequadas à ilusão maquinal. Têm costumes próprios, estilo definido, cabelos bem tratados, grupos de amigos para comentar seus status, para habitar suas fotos. Elas conseguem infiltrar-se na nobreza daquilo que eu sempre almejei no meu íntimo mais profundo; conseguem satisfazer as pretensões mais arcaicas da minha sordidez e da minha futilidade. Elas têm o tipo de poder que eu nunca tive, que eu nunca terei. Elas são as imperatrizes do Labirinto Digital. As condessas das atenções, do afeto e do calor sintético que eu nunca alcancei.
Sim, a sinteticidade do Paraíso. A estranheza da realidade falsa que caracteriza minha época. Eu não sou, por mais que gostaria de ser, imune a ela. Neste frágil sustentáculo virtual de faces programadas, eu sou operária, escória, escrava e perdida. De que vale que meu rosto seja o mais belo, que minha pele seja a mais macia, que meu cheiro seja o melhor? No Labirinto Digital eu sou apenas um avatar sem floreios. Uma deusa sem aura, e portanto uma deusa menor—se ao menos houvesse religião, pagã que fosse, que me cultuasse. Mas há as Grandes Deusas, as dezenas de faces colorizadas, de temperatura e nitidez perfeitas, construindo suas pequenas galáxias populosas ao redor de seus próprios Sóis. Eu estou à margem de tantos universos, que mal se enxerga minha constelação de estrelas fugazes. Você pode vê-la?
Podem ser grandes besteiras. Nunca conheci alguém que não fosse constituído em grande parte de besteiras, principalmente no Labirinto Digital. Então talvez eu compartilhe de algo que me torne tão especial quanto as galáxias populosas acima de mim. Eu gostaria de sentir isso de verdade. Por vezes até mesmo tenho o tipo de impressão ilusória provocada pelos meus sistemas de defesa—por mais que eu os tenha que atualizar a cada 30 dias—de que sou melhor do que as Grandes Replicantes Deusas. E há todo o antigo conto lendário de que eu deveria ser a melhor meramente no seu sistema operacional, e isso já estaria bom—se, é claro, eu fosse capaz de acreditar nisso. Eu poderia me lançar ao intrépido egocentrismo natural, saciar meus instintos primitivos, minha necessidade de brilhar além das grandes galáxias, se tivesse uma comunicação eficiente com os outros polos. Mas eu nunca fui muito boa nisso. Diria até mesmo que os odeio demais para que conseguisse fazê-lo. Provavelmente porque, de algum maneira, eu simplesmente não consigo acessar suas realidades.
Como resolver meu problema de conexão? O equipamento é bom, dizem eles. Tem uma boa aparência, mas a matéria não convence. O conteúdo configura um excesso de peso; teria de ser removido. Mas só um pouco, para que isso não afetasse o exterior. E então teria de se aplicar uma certa quantidade de morfina, apenas o suficiente para que as respostas de dor cessassem; uma grande quantidade de hedonismo poderia ajudar. A vida de uma Imperatriz demanda pequenos sacrifícios, e a escória pouco pode entender disso—lhe faltam os nutrientes certos. É, contudo, bastante simples achatar um pouco os traços, deformar um pouco as linhas, colorir periodicamente as mechas, e isso é só o começo. Vê aquela foto? Eu não sou aquilo. Mas é claro que eu gostaria de ser.
Nem sequer os meus problemas são atraentes, e não venha me dizer que problemas não são atraentes. Se eu deixasse que minha decepção e meu medo transparecessem da forma adequada, minha fobia por comprometimentos configuraria uma peculiaridade interessante. Minha completa aceitação—ou melhor, minha completa apologia—a todas as formas operacionais, sinalizadas através de marcas corporais—tatuagens, diziam os antigos—ou perfurações excessivas, não que eu deseje me furar ou marcar, mas, veja bem, é mesmo tão típico das grandes galáxias, e unicamente porque o universo virtual em si tem esse tipo de tendência rotativa, ah, minha completa apologia seria de fato irresistível, quase inefável. Enquanto todo o pesar e todo o banal ver-se tocado pela divina presença de uma lente, nada jamais será horrível, não no Labirinto Digital.
Então não diga que eu odeio todas; não diga isso das Grandes Imperatrizes.