Um
dia, ela cansou do nada.
Cansou
das quatro paredes pálidas. Cansou do incômodo silêncio do quarto. Cansou do
contato gélido da superfície inexoravelmente reta em que encostava as costas
curvadas. Cansou do banco de gesso que colava-se à parede numa quase camuflagem
branca. Cansou do vazio.
A
porta não abria. Ela tinha certeza que não era um problema ordinário; dessa vez
não precisaria encontrar a chave. Alguma coisa maior do que ela, maior do que o
quarto, maior do que todo aquele lugar emperrara a fechadura. Não era sua
culpa. Havia alguma maneira de sair dali, mas ainda não descobrira. Até que
cansou disso também. E o cansaço a fez erguer-se, esticar a coluna curvada e
esfregar as longas unhas sobre a parede. Ao contrário do que imaginava, suas
garras afiadas não eram tão frágeis quanto pareciam. Arrancou a tinta, depois a
massa, e então sobrara apenas uma fina camada de um não-sei-o-quê translúcido
num ínfimo buraco. Ela encostou a face de porcelana sobre a parede, ainda maior
do que ela, ainda pálida e gélida, mas não mais inteira. Uma mancha luminosa
movia-se lá fora, aquecendo-a com raios de sol que ela não via há tempos. Não
conseguia divisar uma forma distinta; ainda havia aquela couraça diáfana a
escondendo do exterior. Pensou em rasga-la com a unha rachada, rompendo-a na
primeira pressão do dedo, convidando o vento e o orvalho, o aroma e o que mais
de sensorial ela pudesse captar por aquela mísera rachadura na parede,
revigorando-se antes de continuar a quebra-la. Hesitou. O calor que sentia
poderia vir de um campo ensolarado ou de uma labareda. O lado de fora poderia
ser seu fim ou o seu começo. Mas estava cheio. Cheio de algo bom ou ruim. E
ali, entre as quatro barras de concreto barato, só havia o mais completo vazio.
Posicionou
as garras. Nem mesmo a própria roupa que usava tinha cor, e gostaria tanto de
sentir os olhos arderem com o contraste. Não havia nada ali dentro. Mas ela não estava vazia. Melhor que
sentisse dor a ficar dormente.
Então
sentiu algo. E nenhum pedaço da parede fora rompido, e no entanto ela tinha
certeza que o vento batera sobre seus ombros. Virou-se, um misto de choque e
incompreensão fazendo-a calcular mentalmente as probabilidades de vento daquela
parte do cubo, da porta sempre fechada. E nada fez sentido quando ela o viu.
Ela
o vira muitas vezes trancada naquele quarto. Talvez mais do que quando gastara
o tempo na antiga gaiola, recebendo visitas suas e ignorando a chave quando
mais quisera libertar-se. Acabara voando sozinha para longe, mas chegara apenas
ali. Não via ninguém de fato, ninguém real,
físico e palpável, há muito tempo. Mas definitivamente o vira. Uma assombração
persistente que fazia as paredes rangerem durante a madrugada, aparecendo vez
ou outra e perturbando o seu sono, sua paz, sua imobilidade silenciosa. Nunca
fora o tipo de fantasma atrevido que batia portas ou tocava suas costas no
escuro. Até porque só havia uma porta, uma porta devidamente trancada no
quarto. Mas ele a escancarara, e o pedaço de madeira branca parecia um mero
resto vagabundo consumido por cupins, caído no canto do cubículo como uma
vítima corrompida.
Ele não disse
nada. Ela não soube se deveria se sentir assustada ou feliz. Ele estava
diferente. Agora, ele era tão turvo quanto o que havia lá fora. O calor que
sempre viera dele poderia queimá-la ou aquecê-la. Encostou-se sobre a parede,
esperando que algo acontecesse, que algo começasse a fazer sentido. Ele apenas
a encarava. O silêncio do qual ela cansara renovou-se em algo totalmente
diferente, mais escandaloso do que milhares de buzinas, mais estrondoso do que
uma tempestade de raios. Seu pássaro azul não cantava mais, mas ela o queria para
si sob a mais pesada promessa de silêncio. Deslizou, prostrando-se no chão
enquanto permanecia o fitando, esperando, esperando, por tanto e tanto tempo.
Não precisaria mais quebrar a parede. Agora a porta que tanto tentara arrombar
estava destruída, e no entanto nada daquilo parecia real, e logo acordaria
igualmente presa. Mas estava presa agora também; presa nos olhos dele, presa na
espera muda que a afastara do sol. E aquilo parecia doer mais do que o contato
áspero das grades enferrujadas da antiga gaiola.