domingo, 26 de fevereiro de 2012

Humanos

            Humanos são belos. Donos da maior capacidade do mundo animal, os mais célebres vencedores da cadeia alimentar, conquistadores de uma superação indigna de comparações, eles encantam com seus olhos vítreos e brilhosos, sua pele lisa de cores alternadas, seus dedos longos e desenvolvidos, e pelagem sedosa no topo da cabeça, cuja tonalidade pode variar conforme a genética ou a química. Descendentes dos primatas, eles moldaram sua espécie e costumes de acordo com a própria vontade, a partir do momento em que criaram uma—seus colegas animais nunca a conheceram. Humanos são racionais, apenas humanos—não se esqueça disso, e eles realmente não esquecem.
Enquanto costuram, fabricam e esculpem seus objetos de culto, os homo sapiens sapiens utilizam suas incríveis mentes para planejar diversos outros segmentos de suas curtas vidas, por mais que muitos representantes prefiram focar-se em poucos aspectos relevantes. Ao longo da estabilidade que alcançaram ao tornarem-se “o homem que sabe que sabe”, construíram diversos simulacros que, em sua perfeição tecnológica(porém absurdamente inferior à perfeição humana), substituem o trabalho que teriam de fazer—os humanos—tornando a vida de tão admirável espécie mais cômoda.
Humanos podem fixar suas pupilas em você, expelir água através de seus globos oculares e proclamar que estão acometidos de alguma sensação hormonal ilógica. Eles irão chamar essas ocorrências de sentimentos. A demonstração de um sentimento pode ser incrivelmente convincente, e a maioria deles realmente acredita quando vê. Certa vez ouviu-se dizer que apenas humanos seriam capazes de sentimentos—obviamente quem disse isso foi um humano. Tal indivíduo afirmava que apenas através da razão os laços entre homens haviam se fundido, as noções haviam sido desenvolvidas e os sentimentos resultantes do convívio e dos fenômenos haviam surgido. A consciência era o único campo através do qual os sentimentos faziam sentido. Qualquer outro animal só agia por instinto.
Humanos costumam ter orgulho de sua trajetória. A maneira como destacaram-se, domando as feras que um dia os ameaçaram, usando seus couros para aquecer-se na neve, e então arrancando suas peles para tornarem-se ainda mais belos, costuma suprir suas necessidades psicológicas em proporções pequenas. Separados dos animais pela lógica, filosofia, aritmética, linguística, química, física, astronomia, biologia e tantos outros, gostam de afirmar, auto afirmar e reafirmar o quanto são racionais. Por mais que a razão ofereça a capacidade de provar o fim da selvageria humana, ao conceder as condições—nas grandes e cômodas cidades lotadas de simulacros tecnológicos—para que não mais necessitassem suprir seus instintos animais mais primitivos, excetuados os básicos para a manutenção do corpo, os humanos permanecem cedendo aos instintos, não porque não podem viver sem eles, mas porque não querem. Seus corpos anatomicamente equipados de aparelhos de prazer são sofregamente utilizados, esfregando-se num eterno ciclo onde a natureza não tem importância real. As ligações que realizam em busca da liberação de hormônios prazerosos são muito pouco relacionadas a sentimentos de qualquer espécie, salvos raros casos de mutação ideológica. Os próprios sentimentos humanos, inconstantes, quimicamente manipuláveis da maneira que são, não têm comprovações suficientes para que se afirme sua validez. Humanos vivem para invalidar os bons atos que porventura cometam, já que seus simulacros midiáticos assim mandam e comandam, e não há mais alguém do outro lado. Seres humanos são belos, mas você não deve observá-los.
Seres humanos são fracos. Suas curtas vidas frequentemente são vividas ao meio, conectadas a um cabo elétrico, para mais tarde serem entubadas e mortas. Seres humanos não são nada, mas talvez permaneçam no topo pela forte ilusão de serem tudo.