Que estranho é crescer e se deparar com um mundo desenhado em contraste constante—enxergar, de um lado, profusões de borboletas em escalas coloridas, vários tons se misturando, uma música celebrando seu vôo como o nadar suave dos sonhos e esperanças mais ternos da juventude; do outro, as trevas absolutas, o medo, a desilusão, a dor, a penúria. Que estranho é ver as pessoas que se mais ama sucumbindo à decadência de garrafas entornadas e ervas enroladas em papéis finos, grossos, em qualquer que seja o suporte ideal ou precário, conquanto urgente, para a satisfação ébria de seus vícios. Que estranho é saborear a incapacidade de salvá-los; que estranho é sentir-se impotente.
Que absurdo e doloroso é contemplar o desnecessário e insalubre como regra, e ver tal regra aplicada às constantes da própria vida. Que horrível é ver as criaturas mais doces do mundo caindo na espera pela morte, pela morte deliberada e gradual. Que triste é sentir que nada será jamais como antes, e que o antes refulgia de beleza. Cruzar as portas do umbral e senti-lo a entrar por cada um de seus poros—o pagamento, a reparação. O pagamento de que? Pelo que eu teria de me reparar? Talvez pelas minhas próprias expectativas—pelas minhas ilusões teatrais, etéreas, brilhantes e coloridas, girando como um caleidoscópio embriagante em minha imaginação ainda pueril.
Ou talvez eu pudesse considerar tais enganos, tais ilusões pungentes e quase indissolúveis como simples esperanças. Talvez, como qualquer jovem machucada demais para confiar e machucada “de menos” para deixar de esperar, eu apenas focasse meus sonhos, minha espera e minhas previsões num mundo perfeito e tranqüilo. E que mal há na esperança, se sua ausência geraria apenas a morte e a inexistência de tudo? Que mal há no desejo benigno de que tudo fique bem, de que todos fiquem bem, de que o “felizes para sempre” saia da esfera fantasiosa da literatura, que tanto nos ensina e tanto nos conflita? Cada sopro de ar neste mundo é esperança—e, caso tal não existisse, perderíamos a vontade de viver e explodiríamos a bomba nuclear de uma vez.
Então, que estranho é ver-me julgada e condenada por acreditar no ser humano que repudia a própria espécie por desiludir-se demais com ela. Que estranho é ver-me repreendida por tentar arrancar meus amigos das garras da morte; que estranho é ver-me considerada imatura por preocupar-me com os “meus” —estimulada e instruída, ao contrário, a deixá-los à míngua de suas próprias consciências consternadas e fabricadas com a suprema alegação de que “aquilo não é problema meu”. As mesmas bocas que repetem que amigos são a família que se encontra, as mesmas pessoas de veementes intuitos amigáveis e convicções altruístas, mas que, sob o pretexto da liberdade humana, pouco dedicam à consideração real a um ser humano. Que estranho. E, o mais estranho nisso tudo, caro amigo, é que, para eles, a estranha sou eu.
(E que estranho é pensar que isso foi um trabalho da faculdade)