Terno pássaro azul, permaneces tão belo. Já não via tuas penas há tanto, e não posso dizer, contudo, que mal as recordava; nem uma nuance de teu brilho celeste desgastou-se em meus olhos, nem um formato de tuas plumas livres dissipou-se de meu horizonte, e nem uma nota de teus cantos etéreos distorceu-se ao meu redor. Tua voz ecoou como o vento que balançava, então, minha gaiola enferrujada, arrastou-se nas rajadas que zombavam de mim em liberdade, congelou-se no tempo que judiou de meu sustentáculo, embaralhou-se nas gotas da minha própria tempestade. Tua voz sussurrou meus pecados aos ares, embalou meus prantos insones, repousou ao meu lado vazio. Tua voz encontrou-se com a minha em segredo, conjugou verbos inertes, proferiu palavras sem letras. Tua voz desenhou-se sobre minhas penas negras, afundando-se nelas, e, gritando em claridade o quanto sua presença deformava minha escuridão, permaneceu aqui para sempre; tua voz consumiu-se em meu fôlego, aderindo-se a cada pedaço de meu interior; tua voz é a minha, tão minha quanto o que agora é história, e de histórias eu vivo.
Terno pássaro azul, tu se lembras daquela chave? Tu sempre voaste tão alto, e assim a encontraste. Cintilante como teus olhos miúdos, da maneira que pássaros negros costumam gostar. Era linda e era tudo, e se encaixava também. Mas meus olhos perscrutaram o chão por tempo demais, e a gaiola se fechou; novamente, e além, até que tuas visitas cessassem e tuas viagens se tornassem teu lar. Se ao menos as minhas asas fossem as tuas, se elas não fossem as fúnebres estruturas de uma ave que nunca aprendeu a voar! Mas lembras que tu jamais tiveste grades, e talvez se veja a tocar as minhas, a dividir um dueto nas tardes mais felizes.
Por todo este tempo, tua voz não cessou. Por todo este tempo, a canção mais bela jamais deixou de despertar as manhãs, espalhar-se pelo espaço, convidar o encanto. Pobre pássaro negro que sou! Acordar imaginando, todas as manhãs, que tu cantavas para mim! Eu te vejo num galho, agora, e entendo o que deixei do lado de fora. E falho ao observar o quanto as tuas penas celestes combinam, misturando-se às penas purpúreas dela, e o quanto ela mesma guarda tanto de ti em si mesma, como se tua voz houvesse, também, se tornado a dela. E entendo que tornei-me muda, e meus pios disformes, outrora alentados por tua voz, pouco puderam manter-se, presos numa garganta que não cantava para ninguém. Mesmo que minha gaiola tenha caído e suas grades tenham se partido com o impacto, e mesmo que minhas asas atrofiadas tenham desafiado o vento, voando ao seu lado, cabe a mim resistir, afinal, à terrível tormenta que me assola sem barreiras.
Sinto o vento me empurrar, pássaro azul, e já percorri léguas e mares. E tua voz não cessou.
Canta-me a tristeza, ó ave negra, que em tuas penas se acomoda, que em teu olhar diminuto espalha e em teu silêncio se atrofia.
ResponderExcluirLonge de tua gaiola pois que venho te cantar, chamar-te a bailar, com penas meio claras, meio escuras, daquelas que te encantam e a fazem piar!
Pois que venho, de longe, do verão, te encontrar - mas para com o corvo bailar, quer permissão, não com penas, sim ou não; mas apenas sua mão!